Estava transcendendo. O espaço e o tempo se desdobravam diante de si, como muitas estrelas vagavam o Mar Astral. Black Lotus enviou seu olho interior para rondar mais uma vez, deixando-se à deriva na vastidão do universo. Por um momento, estava em toda parte. Coletou energias do espaço e tempo ao seu redor, elevando-se da terra. Se tornou um ponto de ancoragem para o univ-
Sentiu um puxão em seu cachecol. Podia sentir, puxando para trás, puxando de volta ao seu corpo mais uma vez. Uma voz. Que era familiar. Era a filha do Campeão. Ela não sabia o que estava interrompendo. Black Lotus tinha dificuldade de manter seu foco, mesmo enquanto energias invisíveis passavam ao seu redor.
“Você! Cabeça de Capacete! Você vai me ajudar a encontrar meu pai!”
Black Lotus virou a cabeça lentamente. Em seguida, encarou Little Monster. Os olhos da criança brilhavam com uma determinação feroz, mesmo através da máscara de gás que ela sempre usava. O som abafado de sua voz não dificultava que “O Ser Inominável” a entendesse.
“Eu ouvi os outros falando! Dizem que você é como um rastreador, que pode achar qualquer coisa. Então eu quero que você encontre meu pai pra mim!”.
Black Lotus inclinou a cabeça, ainda flutuando do chão, energias astrais ainda ao seu redor, canalizadas no volante que flutuava à sua frente. Essa criança buscava algo há muito tempo perdida para este mundo. Black Lotus lembrou-se do Campeão, através das névoas dos tempos. Rastrear o tempo era algo difícil enquanto vagava. Enquanto seus pensamentos estavam focados no Campeão, podia sentir que a âncora que havia sido fixada começava a desestabilizar. Acabou perdendo o controle.
“Ei! Cê tá me ouvindo? Ô Capacetão!” Little Monster deu uns puxões no cachecol, cada vez mais forte. Black Lotus soltou um suspiro sufocado, perdendo o pouco controle que ainda tinha sobre o tecido de espaço e tempo. O volante começou a cair. Black Lotus estendeu a mão para agarrá-lo no ar. Tentou restabelecer o controle sobre o foco.
“Eu quero meu pai de volta! Dê ele pra mim! Eu quero–huh?”
Black Lotus pôde respirar novamente quando Little Monster soltou o cachecol. Uma abertura estava se formando, uma fenda no universo. A fenda esticou e rasgou-se em existência enquanto Black Lotus tentava canalizar as energias que se derramavam em sua direção.
“Hahahahahaha!” Little Monster soltou uma gargalhada vil enquanto esfregava as mãos. “Eu sabia que você conseguiria, Cabeça de Capacete! Vamos lá!”
Com isso, a criança correu pelo portal que havia sido criado inadvertidamente. Black Lotus olhou para ela de volta. Essa pessoa não conseguiria compreender o perigo em que ela se atirou. O que poderia levá-la a fazer algo tão impulsivo? A ligação que ela tinha, com aquele que nem estava presente, intrigou Black Lotus, que há muito havia se livrado de tais apegos… ou, pelo menos, foi o que pensava. O Ser Inominável sentiu uma onda de curiosidade percorrer seu corpo, e teria que acompanhar a filha do Campeão para garantir que ela não causasse muita distorção no multiverso, e, ao mesmo tempo, teria a oportunidade de observar a força dessa ligação.
Os pés de Black Lotus tocaram o chão enquanto caminhava em direção à fenda do espaço-tempo. Pensou em seus mantras, acompanhando o ritmo gentil do motor da máquina, segurando o volante à sua frente. Com uma facilidade originada da prática, atravessou com confiança, sintonizando-se com a assinatura astral deixada por Little Monster.
O mundo em que pisaram era frio. Montanhas negras surgiram ao redor, como garras de monstros. Black Lotus encontrou-se numa pista feita inteiramente de gelo. Little Monster levantou, tremendo, suas mãos fechadas em punhos enquanto ela gritava para o deserto gelado e vazio.
“Ô Pai! Ei! Pai! Tá por aqui?!”
Black Lotus andou em direção à criança. Será que ela tinha entendido? Esse não era o seu mundo, mas outro. Black Lotus estendeu os braços, colocando a mão nos ombros da menina para chamar sua atenção, quando ouviram o rugido de um motor na pista. Little Monster parou de gritar enquanto olhou na mesma direção que Black Lotus.
“Ei, é o cara do gelo! Espera…”
Realmente, a máquina que rugia em direção parecia muito com a máquina do Gigante de Gelo. Mesmo assim, não era igual. Os canos exaustores tinham uma forma que pareciam chifres, e a grade frontal era afiada como uma mandíbula de dragão. A máquina brilhava com uma luz verde espectral. Atrás dela, guinchava uma carroceria com pilhas e mais pilhas de ouro.
Black Lotus agarrou Little Monster pela camisa, enquanto a máquina corria em direção deles, puxando a criança para fora do plano material. O caminhão-dragão não desacelerou, enquanto atravessava suas projeções, moedas se derramando por trás dele.
“Aquilo parecia o cara do gelo! Só que mais legal! Ahn?! O que é isso! Esse martelo é enorme!”
Outra máquina vinha descendo a estrada de gelo na direção deles, vindo do outro lado, acelerando de encontro ao caminhão-dragão. Erguendo-se da traseira havia um punho gigante como uma luva segurando um martelo enorme. O caminhão-dragão desviou para tentar evitá-lo. O martelo gigante estalou com eletricidade antes de gingar, arrebentando o gelo. Como um raio atingindo a terra, a eletricidade passou pelo gelo em direção ao caminhão-dragão. O caminhão-dragão derrapou, moedas voando por todos os lados, e cuspindo fogo verde de onde fora atingido. Ele perdeu o controle e rodopiou, caindo do lado da ponte, com o Icebringer deste mundo dando um rugido desafiador.
Para Black Lotus, a fonte do relâmpago parecia mais divina do que científica.
“Isso vai mostrar pro Fafnir quem é que manda!” O piloto do caminhão-martelo disse, se apoiando para fora da janela. Magro, com um cabelo loiro e longo, e com um capacete de chifre na cabeça.
“Isso aí!” Disse o maior dos dois, botando a cabeça pra fora do outro lado. Houve uma pausa. “Cê quis dizer a gente, né, Tanngnjóstr?”
“Claro que é nós, Tanngrisnir! Com esse ouro, vamo poder levar a Bifrost direto po salão do Odin e pegar umas garrafa daquele hidromel dele! Daí vamo ser mais inteligente que o resto deles, e ninguém vai nos impedir de entra nos salão de hidromel!”
O bater das palmas da Little Monster chamaram a atenção da dupla. Black Lotus voltou a pousar na ponte de gelo, juntamente com a criança. “Isso foi muito legal! Quero ver mais coisas explodirem! Façam de novo!” Ela fechou a mão em punho, dando um soquinho na palma da outra mão, do mesmo jeito que o martelo havia feito com o gelo.
“Ahn? O que esses mortais estão fazendo na pista? Sem seus vagões?” Tanngnjóstr perguntou, coçando a cabeça por debaixo do capacete.
“Sei lá, mas óia só!” O maior apontou para o céu, onde um clarão colorido apontou em sua direção. O feixe de arco-íris pousou no gelo, formando uma ponte de arco-íris atrás conforme uma máquina rápida com uma caveira alada na parte frontal descia por ele. A parte de cima da máquina se abriu e lá estava uma valquíria com cara de má, seu cabelo vermelho esvoaçando atrás dela.
“Onde vocês dois estavam? O Lorde Thor precisa que sua carruagem seja puxada, então vocês, idiotas, precisam voltar, e rápido! Antes que eu acenda uma fogueira e faça ensopado de cabra!”
“Ah! É a Thrud! Bora vazar, Tanngrisnir! Antes que ela fale co pai dela.” A dupla pulou de volta para dentro do guincho enquanto aceleravam, indo embora. A valquíria, com sua mensagem entregue, virou sua máquina pra traz e viajou em retorno pelo arco-íris, enquanto Bifrost desaparecia.
À medida que a ponte retraía, deixava para trás uma luz cintilante onde estava antes. A roda ao lado de Black Lotus zumbia com o ritmo do motor da máquina conforme se aproximavam. Outra fenda.
Black Lotus colocou as mãos nos ombros da Little Monster e apontou para a fenda. Por ser esperta, a garota entendeu o gesto enquanto saía, mergulhando no portal sem pensar duas vezes. Como antes, Black Lotus seguiu, atravessando o multiverso mais uma vez.
Seu pai não estava aqui. Mas a dupla continuaria buscando. Black Lotus tinha esperanças de saber mais sobre essa ligação.
Continua…